As 19h dá-se início a Via-Sacra, seguindo o seu itinerário. O cenário sugerido não é de muita beleza, moradores de rua já começam a fazer parte da paisagem por onde passa a cruz, mas é ali o lugar escolhido para esta passagem, sem dúvida foi a Divina Providência que nos guiou.
No Largo São Bento, Padre Júlio Lancelotti convida os presentes a dizerem a seguinte frase: “ O irmão de rua é meu irmão.” Continua o sacerdote: “A cruz é sinal de vida, ali Deus nos ama.” Em seguida ele questiona-nos: “ Sabe porque o diabo tem raiva da cruz? Porque ele não é capaz de amar.”
Durante a oração do terço, ouvimos um morador de rua que nos interpelava: “Faz uma foto minha, moro na rua mas sou gente…”
Como não ser questionada por tal informação?
Continuamos então nossa caminhada, nos deparando com aquela dura e porque não dizer ‘cruel’ realidade, eram hotéis baratos usados para prostituição, sua clientela a porta não era indiferente a passagem da Cruz seguido do ícone da presença pura da Virgem Maria. Os olhares eram fixos para aqueles jovens que com alegria carregam a cruz nos ombros.
De repente fomos caminhando rumo a uma favela. A Favela do Moinho. Fomos interrompidos pela passagem de um trem que corta o lugar, os barracos ficam a margem dos trilhos, já eram 22h30. Aquela cena nos fez experimentar o desconforto de toda aquela situação que os moradores daquele local vivem de forma cotidiana.
Porém, num campo aberto da favela do moinho uma prece foi feita com fervor por Dom Tarcísio Scaramussa Bispo Auxiliar de SP, responsável pela região Centro que como Pastor esteve presente em todo percurso.
Uma moradora do lugar nos falou em lágrimas: “Como pode Jesus vir aqui?”
O local não tem saneamento básico e em boa parte da favela não tem energia elétrica, o lixo nas ruas sinaliza o abandono.
Saindo dali fomos em direção a um cenário de horror, a cracolândia, na Estação da Luz. O encontro de nossa procissão com um comércio de craque a céu aberto foi impactante.
Ao chegarmos vimos roupas, frutas, peças de carro sendo expostas em mesas ou no chão para serem trocadas por pedras de craque. Expostas ainda eram as pessoas presentes naquele lugar, umas deitadas ao chão delirantes, outras paradas olhando fixamente para algum lugar, com a pupila dos olhos dilatadas.
Não avançamos por alguns minutos, era respeitoso da nossa parte entrar somente se fossemos convidados. Porém eis que surgem gritos: “Eles são da igreja, podem entrar.” Neste instante a cruz foi erguida para que a dor e sofrimento de Cristo se unisse a dor e ao abandono daqueles filhos e filhas de Deus.
Algumas pessoas mesmo na ‘nóia’ vinham ao encontro dos sacerdotes pedindo a benção e abraçando-os. Ali rezamos mais um mistério do Santo Terço e foi levantado um grande clamor, eis que a luz entra onde a treva é evidente. Uma experiência única, imagens que não saem da minha cabeça, primeiramente pelo horror que nos causa, como pode alguém viver assim? Mas também por ver a beleza da ‘cruz’ que em meio a tanto sofrimento, se deixa encontrar pelos mais pobres e excluídos. Uma lição de vida!
A Via-Sacra segue com os jovens expressando sua fé e alegria por poder levar esperança a tantos que não a tem.
O trajeto é encerrado as 23h10 com o ápice da fé a Santa Missa na Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, ali a cruz fica até terça-feira, quando Ela mais uma vez como peregrina que é, continua seu caminho.
Por Cristiane Henrique – Produção Destrave
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